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domingo

O FIO DO OUTONO


Homenagem ao mês das mulheres - por Lêda Rezende
“O sucesso pessoal começa na delicadeza dos gestos e no refinamento dos atos.”

Ela estava curiosa. Queria saber da festa. Do casamento na roça. Dos novos amigos conquistados. Dos velhos amigos referendados. Ela era a própria interrogação. Até brinquei. Tomara que só lhe devolva exclamações para as interrogações. E nenhuma reticência. Para que se satisfaça. Mesmo estando tão longe.

Esta coisa de além-mar sempre é problemática. Aprendi isso faz tempo. O que impede a rotina é distante. O que impede o impulso é distante. O que tem que ser planejado demonstra a distância.

E assim ela está. Distante. Não sei se já sentiu isso. Se já aceitou o planejamento. Ela é sempre muito reservada em seus temores. E até em suas ansiedades. Aguarda os acontecimentos. Aliás - assim a definiria. O estilo aparente dela. Só o aparente.

O de dentro ninguém sabe. Muitas vezes nem o próprio dono. Pode-se ser senhor de si. Mas é muito mais complicado ser dono de si.

Minha avó sempre me disse. Aparência é igual a dúvida, menina, aparência é igual a dúvida.

Muitas vezes penso que só eu sou ansiosa. No mundo. Porque todos sempre me parecem tão resignados. Diria até amadurecidos. Só eu sofro de mania de surpresa. Mas lembrei – agora - do poeta. Falou que só ele apanhou na vida. Os amigos todos só se deram bem. Pode ser engraçado. E por isso mesmo verdadeiro. Assim são as aparências. E muitos dos auto-relatos. Vai ver por isso não há julgamento definitivo. Dever ser o que significa a palavra - instância.

Mas hoje falamos. Utilizamos as modernidades nas comunicações. E celebramos a evolução. Cedo para uma. Já tarde para outra. O relógio não obedece a novidades. Mantém seus fusos intactos. Podem inventar o que quiserem. O tempo real é domínio do relógio.

Estava tão séria. Senti pela impressão digital. Também tenho meus critérios evolutivos. Não são só corporativistas que o detêm. Perguntei pela seriedade.

Contou com direito a dois pontos e hífen.

Saíra ontem para um jantar. Arrumara-se. Escolhera com riqueza de detalhes o que iria acrescentar à imagem. Tudo em estilo outonal. Olhou-se no espelho. Gostou do que viu. Segurou a própria bolsa. E desceu as escadas. Sempre faz isso. Despreza o elevador. Acha que ele só serve para elevar a flacidez dos músculos. E recusa-se a compactuar com ele - o elevador.

E lá se foi.

Tudo ia muito bem. Até que chegou na escada que dá acesso a uma calçada. Como de hábito também desprezou o corrimão. Artefatos desnecessários. Seguia este conselho de uma prima sofisticada. Uma mulher desce as escadas sem olhar os degraus. Como aquela atriz magrinha dos filmes antigos. Observe se algum dia ela desceu uma escadaria segurando corrimão. Ou olhando os pés. Nunca. Só olhando em frente.

Vai lá saber os truques negativos da memória. Foi relembrar disso justo naquele momento. Obedeceu. Repetiu. Desceu olhando em frente. Segura apenas na bolsa.

Outono. As árvores se desfolhando. O céu cinza escurecendo para a noite. Muitas folhas pelo chão. Pelos degraus. Linda cena. Como uma tela de francês impressionista. Se não fosse - de novo - a intervenção da realidade. Cruel realidade sazonal.

Olhando para as árvores. Pisou nas folhas. Escorregou. Nas folhas. Que aceleraram a descida. Desceu os degraus numa posição nada convencional. Nada em combinação com a proposta. E se viu na calçada. Rasgara a saia. Machucara o braço de leve. A musculatura reforçada pelo não uso do elevador sofrera menos com o impacto. É certo que caiu. Mas me acrescentou. Lentamente. Muito lentamente. Nada de alvoroço em quedas. Isso nunca.

E fiquei pasma com a continuação do relato. As meias. As meias - não rasgaram. Nada daquele comentário desolado de fio puxado. Em meio a tudo isso. Diante do outono. Diante dos galhos desfolhados - poupara a meia de seda.

Lembrou a prima sofisticada. Também pela impressão digital pude sentir o olhar fino e irado pelo pensamento da orientação da prima. Mas se recuperou. Levantou-se também lentamente. Não por imposição de elegância. Desta vez a dor fez esta aparência prevalecer. Não gemeu. Não chorou. Conferiu as meias. Continuava segura na bolsa. Ajeitou os cabelos e continuou.

Foi ao jantar assim mesmo. Com o pequeno rasgo na saia. Mas com as meias - perfeitas. Alguns apontaram. E perguntaram. Outros nem notaram. E se anteciparam. Só ela ria. Com um certo disfarce. E muito esforço. Para destravar o olhar fininho da lembrança da prima sofisticada.

Na manhã do dia seguinte a musculatura dolorida a despertou para o dia. E para as interrogações. Olhou a saia no cabide. Com seu pedacinho também sofrido. Olhou para as meias. Sorriu. Conferiu os dedinhos das mãos. Intactos. A conversa poderia se estabelecer. Com fuso ou sem fuso. Com rasgo ou sem rasgo. De folhas a flores. De outono a primavera.

Rimos nas pontas dos dedos. Eis uma Lady.

Entrevista - Escritora Lêda Rezende - sob o olhar feminino de uma mulher atual

Para terminar o mês de novembro e começar dezembro com tudo a Delas! Mkt traz para vocês uma entrevista de peso com uma multi-mulher.
Convidamos a todos a conhecer um pouco sobre o trabalho da escritora Lêda Rezende que falará sobre a mulher moderna, os seus diferentes papéis exercidos e as relações de amizades.
Cabe aqui às agências e aos clientes repensarem quanta oportunidade há em dirigir campanhas voltadas a mulheres que buscam equilibrar realização pessoal e profissional. E também, o quanto esta mulher está relacionada com a tecnologia e quanto esta auxilia sua vida em todas as fases da vida.

Lêda Rezende é Escritora, médica Pediatra, com formação em Psicanálise e pós- graduada em Nutrologia.
Nasceu em Salvador – BA e reside em São Paulo há 12 anos.
É membro da SOBRAMES – SP – Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. Tem 4 livros publicados no Brasil, na Espanha e Portugal. E assina dois blogs: http://blogs.abril.com.br/leda e http://ledarezende.blogs.sapo.pt

Entrevista:
Dra Leda, escritora, mulher, mãe, filha e amiga. Como é para você representar vários papéis na sociedade? Quais são o(s) mais fácei(s) em sua opinião e quai(s) a(s) dificuldade(s) se houver, de outros?
Na realidade acho que desempenho ou represento um único papel, o de viver a vida da forma que sou estruturada para viver. As subdivisões – se assim posso denominar - fazem parte de um mesmo estilo e pensamento, daí fica sem dificuldades além das cronológicas. Bom, e das organizações em torno de uma cronologia por certo todos nós viventes contemporâneos temos que nos adequar e adaptar. Deste círculo ninguém mais escapa – eis a razão do sucesso absoluto e irreversível da tecnologia e das virtualidades rápidas como por exemplo o twitter.

O que a levou a ser escritora?
Entendo que um escritor é escritor desde sempre. Nasce assim, não importa o valor do texto. A escrita é o traço que o liga ao mundo real como uma forma de simbolizar as perdas e ou angústias. Lembro que as minhas redações de escola e interpretações de texto eram lidas em sala de aula – o que me causava imenso constrangimento por ser tímida. Sempre escrevi. Sem esquecer que sou uma escritora contumaz de cartas acho que desde que fui alfabetizada (rs).

Quais são suas inspirações para escrever seus livros?
Em geral observo o cotidiano bem simples que, aliás, de simples tem mesmo nada. O sábio e filosofo grego Sócrates afirmava que a Filosofia verdadeira circulava nos mercados públicos. Eis o sábio perene. Há todo um comportamento exposto em metrôs, salas de espera, escolha de compras, estilo de vestir ou caminhar. Há um desfilar de emoções sem pudores no dia a dia de quem não se sente observado. Faz parte do ser humano. Muitas das minhas crônicas vieram de um olhar voyeurista em lugares públicos.

A participação da mulher no mercado de trabalho a cada ano é maior e muitas conquistas foram adquiridas pelas mulheres nos últimos anos, como por exemplo, na educação, em que elas já são maioria no nível superior no Brasil (cerca de 60% dos estudantes são mulheres). O que você acredita que tenha sido de fato importante para tal crescimento? E o que ainda deve ser alcançado?
Não sei bem apontar por itens isolados, mas credito a mudança comportamental às mudanças sócio-econômicas. Fez-se requisito de uma ascensão a níveis mais favoráveis de consumo a participação mais efetiva dos grupos disponíveis ao trabalho. Diluiu-se há muito tempo o pensamento preconceituoso de que só trabalha quem precisa e passou a ser considerado que quem trabalha é quem é capacitado para tal. Em 1879 foi o ano em que permitiram o acesso às mulheres aos cursos superiores. Em 1881 foi registrado algumas matrículas de moças nas duas faculdades de Medicina do Brasil (Rio de janeiro e Bahia). E uma vez estabelecido um novo percurso – não há mais como ser retroagido.

Você se considera uma mulher moderna? Por quê?
Não sei se sou moderna, talvez tente ser atual. Até no sentido pragmático. Como falei antes, vencer a cronologia requer uma constante renovação e habilidade. Caso contrário o dia fica destinado a um único dia – se me entende. O importante é fazer de um dia muitos dias. Inicio meu dia de trabalho às seis da manhã e encerro no final da tarde. Tenho apetrechos quase viscerais: I-Pad, Notebook, Blackberry que vão comigo seja lá onde eu for. A cada intervalo dos atendimentos - busco me entender dentro do mundo e não ausente dele. Assim consegui escrever muitos textos, quatro livros publicados e dois em fase de finalização. Sem falar nos concursos literários informados pelo twitter e as conversinhas em tempo real com as amigas queridas residentes nos Estados Unidos e Portugal.

No livro Vitral, o Universo Feminino é retratado através de uma amizade entre duas mulheres de mundos diferentes. Como foi escrever um livro sobre comportamentos diferentes entre estas duas mulheres de universos tão diferentes?
Como falei no começo não há mundos diferentes. Há estilos diferentes, e daí o que menos importa é a Geografia. Foi delicioso relatar as descobertas e as ligações de amizade que iam se construindo entre elas. As diferenças históricas fazem parte de qualquer um – não existem dois iguais.

Quais as similaridades entre estas duas personagens e as diferenças?
São mulheres que enfrentam solitárias as escolhas e as decisões e assim constroem e, em conseqüência, modificam um destino previsível. Vivem sinônimos e antônimos com toda uma base amadurecida calcada na mais absoluta ingenuidade. E ambas seguem o percurso que mais consideram pertinentes - sem cobranças ou comparações.

O índice do livro Vitral é composto por capítulos de verbos no gerúndio. Qual o significado?
Risos...ótima observação. Mesmo o Gerúndio sendo alvo de severas críticas acho que assim que vivemos a Vida. Talvez uma espécie de defesa ao delicado temor em relação ao futuro objetivo.

Em sua opinião, a amizade entre homens e mulheres é diferente? Por quê?
Acho que não, amizade é um conceito que sai do universal e entra no particular de cada um, daí é igual ao sexo dos anjos. Podem ter vínculos ou maneirismos diferentes - mas a amizade é um ato filosófico, independe de fatores de registro em formalidades cartoriais.

A tecnologia é hoje um dos grandes facilitadores para a mulher no dia a dia. Você concorda com esta frase. E como vê a tecnologia em sua vida?
Como um ser orgânico que me ajuda a respirar e caminhar. Sou completamente e despudoradamente tecno-dependente.

Vi que você tem dois blogs. Sobre o que são?
São blogs de crônicas. Relatam em pinceladas as observações comportamentais do cotidiano. O ser humano é riquíssimo no esbanjar das emoções seja qual for o nível cultural ou social. É maravilhoso “ler” o corriqueiro dentro dos supostos pecados capitais e ocasionais.

Qual recado você deixaria para uma mulher que hoje exercer vários papéis e tem o sonho de ser tornar escritora?
Repetirei o que escutei de uma paciente num dia desses na sala de espera do Hospital – persiga seus sonhos. E acrescentaria - se não os pesadelos do irrealizado lhe perseguirão algum dia.
Fica aqui a sugestão de presente para o final de ano – o livro Vitral, de Lêda Rezende.
Pode ser adquirido através do site http://www.clubedeautores.com.br/

A Delas! Mkt agradece à Dra. Lêda a entrevista concedida e a oportunidade de dividir com seus leitores uma experiência de vida  de uma mulher atual, como ela mesma disse.